Este ano, o Kidsindoors completa 8 anos de uma parceria super bacana com a Companhia das Letras. E fez muito sentido pra mim, já que umas minhas metas do ano é LER UM LIVRO POR MÊS escrito por mulheres. Foi ainda no final do ano passado, que uma amiga me questionou se eu saberia indicar escritoras mulheres contemporâneas. E a verdade é que veio um grande branco na minha cabeça. Desde então, comecei a anotar todas as referências que apareciam na minha frente e também fui buscar nas listas de coleções da Companhia das Letras. Foi aí que encontrei o post "15 mulheres para ler agora" onde muitas dessas referências se encontraram.
Para completar essa experiência, você pode ouvir a playlist que fiz de forma colaborativa com outras mulheres no Spotify Mulheres FODA Br. Fique à vontade de adicionar outras músicas lá também!
Lembro-me como se fosse hoje, quando estava naquela fase corajosa-ingênua dos quase 30 - já me sustentava sozinha em uma outra cidade e me considerava uma mulher feminista, segura e consciente. Já fazia terapia há muito tempo, mas só depois de ter lido os contos "A mulher desiludida" da Simone de Beauvoir que percebi que muitos sentimentos que pareciam tão particulares eram na verdade tão comuns a outras mulheres. O livro foi escrito em 1986, mas parecia que conversava comigo, relatava meus sentimentos, dúvidas e conceitos. A beleza das histórias é que traziam a perspectiva feminina para o cotidiano - sobre como a mulher se via, sentia, se questionava ao enfrentar as situações do seu dia a dia. Aos prantos me deparava com a minha própria fragilidade de ser mulher e reconheci muitos padrões que ainda perpetuava.
É como esse mesmo olhar atento sobre o cotidiano, que Alice Munro nos conduz pelos 14 contos do "A Vida Querida". Hora na perspectiva da(o) própria(o) protagonista ou narrados por outros personagens, os textos são ao mesmo tempo simples e complexos, pois nos aprofundam nas características de seus personagens e nos levam a narrativas - que parecem paralelas, mas que fazem todo o sentido para o desfecho. Isto é, não espere uma leitura leve, daquelas que a gente faz no caminho para o trabalho ou minutos antes de dormir. Não é como uma novela que você escuta enquanto faz outra coisa, sabe?
Muitos críticos já disseram que Alice Munro é capaz de elaborar uma vida inteira em uma página. A explicação para isso, segundo explicou a própria autora em uma entrevista, é que ela sempre pensa seus personagens em todas as suas profundidades, como a roupa que escolheriam em determinada situação ou a escola em que estudariam. - em matéria da Veja sobre a autora.
Você precisa prestar atenção e muitas vezes me peguei voltando páginas pois estava na dúvida sobre o narrador - quem afinal era, se era uma mulher ou de um homem, etc; ou sobre uma conexão muito sútil do texto. Isso não significa que a escrita é difícil ou chata de ler. Você só precisa estar atenta. Depois de começar a ler, não consegui mais parar, na expectativa de conhecer a vida e a história de mais uma mulher.
Foram dois aspectos que me encantaram o livro: como já falei, a perspectiva feminina ou da mulher no cotidiano, sobre como ela enfrenta as situações do dia a dia. Alguns com uma carga de drama maior, porém todos simples e fáceis de nos identificarmos. Gosto desse tipo de ficção baseada-em-sentimentos-reais, onde é fácil identificar a coerência entre o que acontece com o personagem x o que a mesma sente.
O segundo ponto é que os textos e histórias são de fato cheios de empatia. Eles abraçam as personagens nos seus próprios questionamentos e realizações. Não é sobre ter um final feliz propriamente dito ou criticar a mulher por se sentir/agir sim, mas sobre ter uma consciência sobre a própria existência e/ou na relação com si própria e com outros.
"Ia ficar cada vez mais difícil de explicar, conforme os anos fossem passando, o que exatamente era o.k. naquele período e o que não era. Dava para dizer, enfim, que o feminismo não era. Mas aí você ia ter que explicar que feminismo não era nem uma palavra que as pessoas usavam. Aí você ia ficar toda enrolada dizendo que ter qualquer ideia séria, quem dirá uma ambição, ou quem sabe até ler um livro de verdade, podia parecer uma coisa suspeita, com alguma relação com o fato de seu filho ter pegado pneumonia, e um comentário sobre política numa festa do escritório podia custa a promoção do seu marido. Independente do seu partido político. O problema era uma mulher abrir a matraca." - Trecho do conto "Que chegue ao japão"
Alguns temas que passam pelas histórias: relacionamento de uma mulher com seu patrão, a mulher que se separa com dois filhos em busca de seus sonhos, uma viagem de autodescobrimento, uma menina que sofre na superproteção religiosa dos pais, uma menina que vai viver com os tios por um ano, e os últimos quatro contos são autobiográficos.
Alice Munro, para quem não conhece (eu não conhecia!) ganhou o Prêmio Nobel de literatura em 2013 - a primeira vez o prêmio foi destinado a um escritor especializado em contos, entre outros importantes prêmios literários como o Man Booker Prize. Nascida em 1931 no Canadá - que aliás é o cenário das obras do livro, Alice está atualmente com 86 anos e disse que Vida Queria seria sua última obra. Entre suas obras mais conhecidas estão "Fugitiva" (2006), "Felicidade demais" (2010) e "O amor de uma boa mulher" (2013).
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